Ozempic sob repressão: Anvisa exige retenção de receita e Brasil prepara produção nacional

Ozempic sob repressão: Anvisa exige retenção de receita e Brasil prepara produção nacional

O Ozempic — cujo princípio ativo é a semaglutida — deixou de ser apenas um medicamento para diabetes e se tornou um dos maiores desafios de saúde pública do Brasil. Desde 23 de junho de 2025, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a exigir a retenção da receita médica na venda do fármaco, uma medida drástica para frear o uso abusivo. O motivo? A crescente demanda fora da indicação original, impulsionada por celebridades, redes sociais e uma busca desenfreada por perda de peso rápida. O que parecia uma revolução terapêutica virou um problema de saúde pública — e o sistema de saúde está pagando a conta.

Quem está pagando pelos pedidos de Ozempic?

Uma análise da Projuris, empresa de inteligência jurídica com sede em São Paulo, revisou 445 ações judiciais entre janeiro de 2023 e maio de 2025. O resultado foi alarmante: 67,2% delas tinham o Sistema Único de Saúde (SUS) como réu — ou seja, União, estados ou municípios sendo obrigados a fornecer o medicamento por decisão judicial. Outros 29,9% envolviam planos de saúde privados. E o mais curioso? Em 53% dos casos, os juízes concederam liminares antes mesmo da sentença final, permitindo que pacientes começassem o tratamento imediatamente. Isso significa que, em mais da metade das decisões, a justiça antecipou o direito a um fármaco cujo uso fora da indicação ainda é controverso.

Como o Ozempic realmente age no corpo?

O mecanismo do semaglutida é complexo, mas fascinante. Ele funciona como um agonista do receptor de GLP-1 — uma hormona natural que o corpo libera após as refeições. Quatro ações principais ocorrem: inibe a liberação de glucagon (hormônio que eleva o açúcar no sangue), reduz a produção de glicose pelo fígado, retarda o esvaziamento gástrico e, crucialmente, modula o apetite no cérebro. Tudo isso de forma "dependente da glicose" — ou seja, só atua quando o açúcar está alto, evitando hipoglicemia, algo que a insulina não faz. É como se o corpo tivesse um controle automático de fome e saciedade.

Esses efeitos são tão potentes que, segundo estudo publicado no Journal of Medical and Biological Research, o Ozempic imita, em parte, os resultados de uma cirurgia bariátrica — sem o risco de operar. O estômago demora mais para esvaziar, a pessoa se sente saciada com menos comida e, com o tempo, o desejo por doces e lanches noturnos desaparece. "É como se o cérebro desligasse o botão da compulsão", explicou um endocrinologista ao site da Superinteressante em fevereiro de 2025. Mas atenção: isso não é mágica. O medicamento só funciona com mudança de hábitos — e muitos pacientes abandonam o tratamento por causa dos efeitos colaterais.

Os efeitos colaterais que ninguém fala

Náuseas, vômitos, diarreia e dor abdominal são comuns nos primeiros meses. Segundo a Revista Brasileira de Investigação em Saúde, até 30% dos usuários interrompem o tratamento nos primeiros 90 dias por causa desses sintomas. O problema é que, na pressa por resultados, muitos ignoram esses alertas e compram o medicamento em farmácias de manipulação ou pela internet — sem prescrição. A Anvisa já alertou que a importação de insumos farmacêuticos sem avaliação prévia é proibida, e criou filtros automáticos com base em NCM, CAS e CNPJ de importadores suspeitos. Mas o mercado paralelo continua vivo.

Brasil vai produzir Ozempic? Sim — e em breve

Brasil vai produzir Ozempic? Sim — e em breve

Enquanto o uso desenfreado cresce, o governo brasileiro está preparando uma resposta estratégica. Em 15 de outubro de 2025, o Ministério da Saúde solicitou formalmente à Anvisa que priorizasse o registro de medicamentos com semaglutida e liraglutida. O objetivo? Reduzir a dependência de importações e fortalecer o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS). A peça-chave desse plano é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que já tem um acordo com a empresa brasileira EMS SA Laboratórios Farmacêuticos para transferir a tecnologia de produção. A previsão? Começar a fabricar versões genéricas da semaglutida em 2026. As projeções da Anvisa indicam que isso pode reduzir os preços em até 40% — uma vitória para o SUS e para os pacientes que realmente precisam.

Por que isso tudo importa?

O Ozempic não é só um medicamento. É um espelho da nossa cultura: valorizamos resultados rápidos, ignoramos processos e confundimos saúde com aparência. Mas a ciência não mente: ele salva vidas em diabéticos, ajuda quem tem obesidade mórbida e melhora parâmetros metabólicos. O problema é quando vira moda. O uso indiscriminado, sem acompanhamento médico, pode causar desnutrição, desequilíbrio hormonal e até danos hepáticos a longo prazo. O farmacêutico, segundo estudo do Periódico Rease, precisa ser o guardião desse processo — não o vendedor.

A Anvisa fez sua parte. Agora, cabe ao sistema de saúde, aos médicos e à sociedade entender que medicamentos poderosos não são brinquedos. A produção nacional pode ser a solução — mas só se vier acompanhada de educação, fiscalização e responsabilidade.

Frequently Asked Questions

O Ozempic pode ser usado por qualquer pessoa que queira emagrecer?

Não. O Ozempic (semaglutida) é aprovado no Brasil apenas para pacientes com diabetes tipo 2 e, em doses mais altas, para obesidade mórbida com comorbidades. Usá-lo para emagrecimento estético, sem diagnóstico médico, é ilegal e perigoso. A Anvisa já registrou casos de desnutrição e desequilíbrio eletrolítico em usuários que compraram o medicamento sem prescrição.

Por que o SUS é réu em tantas ações judiciais?

Muitos pacientes conseguem liminares judiciais alegando que o medicamento é essencial para sua saúde, mesmo sem atender aos critérios oficiais. Como o SUS é obrigado a fornecer medicamentos de alto custo quando há decisão judicial, ele acaba sendo o responsável por custear tratamentos que não são prioridade no protocolo nacional — o que desvia recursos de outras necessidades, como tratamentos de câncer e diabetes.

Quando o Brasil vai produzir sua própria versão do Ozempic?

A Fiocruz e a EMS SA já assinaram o acordo de transferência tecnológica. A produção nacional está prevista para começar em 2026. Isso deve reduzir o preço em até 40%, tornando o medicamento mais acessível para quem realmente precisa — e diminuindo a pressão sobre o mercado paralelo e os tribunais.

O Ozempic é mais eficaz que a cirurgia bariátrica?

Não exatamente. Estudos mostram que o Ozempic pode levar à perda de até 15% do peso corporal em dois anos — similar a alguns tipos de cirurgia, mas menos eficaz que a bypass gástrica, que pode chegar a 30%. A grande vantagem do medicamento é ser reversível e não invasivo. Mas ele exige adesão contínua. Parar de tomar, e o peso volta — muitas vezes com juros.

Quais são os riscos de usar Ozempic sem supervisão médica?

Além dos efeitos gastrointestinais, o uso sem acompanhamento pode causar deficiência de vitaminas, perda de massa muscular, taquicardia e até pancreatite. Pacientes com histórico de câncer de tireoide ou síndrome de múltiplos neoplasias endócrinas não devem usar o medicamento. A falta de monitoramento também impede a detecção de interações com outros remédios, como anticoagulantes ou insulina.

Por que a Anvisa proibiu a importação de insumos sem avaliação?

Porque insumos farmacêuticos falsificados ou de qualidade duvidosa estão entrando no país, muitas vezes misturados com substâncias tóxicas. A Anvisa detectou amostras com níveis de semaglutida 30% abaixo do necessário — ou até com metais pesados. A nova regra, com filtros por NCM e CAS, é uma tentativa de cortar o abastecimento desses produtos ilegais, que colocam vidas em risco.