A pequena cidade de Lousã, no distrito de Coimbra, com pouco mais de 22 mil habitantes, tornou-se um microcosmo da mudança demográfica que está a transformar as escolas portuguesas. Na atualidade letiva de 2024/2025, as escolas públicas locais acolhem entre 200 e 212 alunos estrangeiros, provenientes de 28 nacionalidades diferentes — um salto silencioso, mas profundo, que está a reescrever o quotidiano da educação local. A cifra, confirmada pela Rádio e Televisão de Portugal (RTP) e pelo Câmara Municipal da Lousã, não é só um número. É uma realidade que exige salas de aula novas, professores treinados e uma nova forma de olhar para a escola.
Uma mudança que não veio de um dia para o outro
O aumento de alunos estrangeiros em Lousã não é um fenómeno isolado. É o reflexo de uma tendência nacional que a agência ON Centro documentou com dados concretos: o número de estudantes não portugueses nas escolas públicas do país dobrou nos últimos dois anos, ultrapassando os 140 mil. Em Lousã, esse crescimento é visível nas estatísticas da Câmara: +26 alunos no pré-escolar, +36 no 1.º ciclo e +37 no ensino secundário. Isso significa que, mesmo sem saber o total exato de alunos, os estrangeiros representam entre 7% e 8% da população escolar local — uma percentagem que, em cidades pequenas, muda a dinâmica de toda a comunidade.Na prática, isso não é só um desafio logístico. É uma mudança cultural. Professores que nunca tinham ensinado a uma criança da Ucrânia ou do Marrocos agora precisam adaptar metodologias. As refeições na cantina passaram a incluir pão sem glúten, alimentos halal, ou pratos sem carne de porco. As festas escolares, antes centradas em São Martinho e no Natal, agora incluem celebrações de festivais muçulmanos, hindus e ortodoxos. "A escola deixou de ser apenas um espaço de aprendizagem", diz uma professora que pediu para não ser identificada. "Passou a ser um ponto de encontro de mundos. E isso exige mais do que livros. Exige empatia."
As escolas a adaptar-se — e a inovar
O Agrupamento de Escolas da Lousã não esperou que o problema chegasse à porta. Desde 2020, já implementa programas de intercâmbio através do ERASMUS+ com escolas da Espanha, Polónia, Lituânia e Reino Unido. Em agosto de 2025, anunciaram novas mobilidades em curso — e não são só os alunos portugueses que viajam. Também chegam estudantes estrangeiros, que passam semanas ou meses em Lousã, integrados nas turmas. "É um contraponto natural", explica o coordenador do projeto. "Se temos alunos de fora, por que não lhes dar a oportunidade de viver aqui, e não só estudar?"Paralelamente, o Conselho Municipal de Educação da Lousã reuniu-se em novembro de 2025 para discutir estratégias de apoio aos alunos em Português como Língua Não Materna (PLNM). O documento revela que o número de crianças em programas PLNM cresceu 40% desde 2023. Algumas turmas já têm mais de 30% de alunos que não falam português em casa. A solução? Formação contínua para professores, material pedagógico adaptado e até a contratação de auxiliares linguísticos. "Não podemos deixar ninguém para trás", afirmou a presidente do conselho na reunião.
Quem são esses alunos?
As nacionalidades são variadas — mas não aleatórias. A maioria vem de países da União Europeia, especialmente da Roménia e da Ucrânia, mas também há famílias da Ásia, África e da América Latina. Muitos são filhos de trabalhadores agrícolas, técnicos em empresas locais de metalomecânica, ou profissionais de saúde que se mudaram para a região por causa da qualidade de vida. Outros são refugiados, acolhidos por programas municipais de integração. "Não são todos iguais", diz um encarregado de educação de origem síria. "Mas todos querem a mesma coisa: que os nossos filhos sejam bem-vindos."A STATUS - Escola Profissional Lousã, que forma jovens em áreas técnicas, também se adaptou. Passou a aceitar candidaturas de alunos fora do concelho, oferecendo apoio logístico e linguístico. "A nossa missão é formar cidadãos, não só técnicos", afirma o diretor. "E hoje, ser técnico é também saber conviver com a diferença."
O que vem a seguir?
O desafio não é só de infraestrutura. É de mentalidade. Enquanto o governo central discute como financiar mais salas de aula e mais professores de PLNM, Lousã já está a construir uma nova cultura escolar — uma que não vê a diversidade como um problema, mas como um recurso. A escola de Lousã já não é só portuguesa. É europeia. É global. E isso, por mais incómodo que pareça, é o futuro.Na próxima década, as escolas em cidades pequenas como esta serão o laboratório da educação do século XXI. E Lousã, com seus 200 alunos de 28 países, está a escrever o primeiro capítulo.
Frequently Asked Questions
Por que Lousã tem tantos alunos estrangeiros se é uma cidade pequena?
Apesar do tamanho, Lousã atrai famílias por causa da qualidade de vida, custo de vida mais baixo e oportunidades de trabalho em setores como a agricultura, indústria e saúde. Muitos trabalhadores estrangeiros, especialmente da Roménia e Ucrânia, escolhem a região por ter boas escolas públicas e comunidades acolhedoras — algo que não encontram em grandes centros urbanos.
Como as escolas estão a lidar com a língua portuguesa para alunos que não a falam?
O Conselho Municipal de Educação criou programas PLNM (Português como Língua Não Materna) com aulas específicas, materiais visuais e auxiliares linguísticos. Professores receberam formação em ensino de línguas para crianças. Em algumas turmas, os alunos estrangeiros passam parte do dia em grupos reduzidos, aprendendo vocabulário básico antes de se integrarem totalmente.
O ERASMUS+ está a ajudar na integração dos alunos estrangeiros?
Sim. Os intercâmbios criam laços de empatia. Quando alunos portugueses vão para a Polónia ou Espanha, voltam com uma nova perspetiva. E quando alunos estrangeiros vêm para Lousã, sentem-se menos estranhos. O programa não é só académico — é humano. Muitos desses estudantes mantêm contacto anos depois.
Há algum risco de sobrecarga nas escolas?
O risco existe, mas está a ser gerido. As turmas aumentaram, mas não há superlotação crítica. O problema maior é a falta de professores especializados em PLNM e recursos pedagógicos. A Câmara já pediu apoio ao Ministério da Educação, mas as respostas ainda são lentas. A solução passa por investimento local e formação contínua.
O que acontece com esses alunos quando terminam o ensino secundário?
Muitos continuam em Portugal — alguns no ensino superior, outros em cursos profissionais. A STATUS - Escola Profissional Lousã já registou alunos estrangeiros a serem contratados por empresas locais após a formação. Outros voltam aos seus países, mas com um domínio do português e uma rede de contactos que os torna mais competitivos no mercado europeu.
Como é diferente a situação em Lousã da de grandes cidades como Lisboa ou Porto?
Em grandes cidades, a diversidade é normalizada — mas também mais dispersa. Em Lousã, cada aluno estrangeiro é visível, cada mudança é sentida. Isso obriga a uma resposta mais coletiva e mais humana. Não há anonimato. A escola é o centro da comunidade — e por isso, a integração é mais profunda, mas também mais exigente.